um canto de artista - canto para artistas

artes, artes... e... artes

leiam se quiserem

contribuam se possível

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

inexistência

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eu te devoro

e regurgito inteiro
pra te devorar inteiro de novo
até o enjôo

te vomitei nas horas perdidas gastas com a lembrança do teu gosto
ardia meu corpo febril enquanto a brisa da morte gelava-me a alma

para onde virasse meus olhos era teu rosto a assombrar-me a escuridão
eras como sombra a aparecer ao menor traço de luz
[e assim fiquei no escuro-claro da lembrança: mentira insistente a tingir de verdade o registro passado na memória presente]
não está;               não é!           nem foi

“o tempo dilui as pessoas”
não! não espero... o tempo...

te vomitei aos pedaços... esquartejado de enganos, palavras tolas ações levianas
regurgitei teu cheiro, teu toque, separadamente... tuas cores, tua voz entrecortada e distorcida... aos pedaços... tuas formas: tuas partes... estilhaçadas... teu sabor

pus pra fora, por fim, às golfadas
o gosto da tua ilusão, em um alfabeto desconexo

pra nunca mais te juntar de novo
...
(criei tua inexistência)



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tempestade

¨¨ # ¨¨


escolho tempestade sempre que posso


mil vezes tempestade que me arrasta como quer, me distorce, desequilibra, ensandece, envaidece, humilha, assusta, enraivece, me derruba, atira lama em meu corpo até sufocar narinas e entranhas, de onde posso gritar, e que me faz correr, sem rumo, desesperada

antes o desprezo e a negligência, o uso egoísta e irresponsável, a negativa, a rejeição, e o tapa e a porrada certeira

mil vezes viver...

ao silêncio
esse nada
à indiferença
essa morte
ao esquecimento
esse luto

infinitas vezes arrebentar minhas ondas em rochedos e lamber-lhes o sal que lhes imprimo
... a um laguinho parado – poça turva, suja e morna – aparência de túmulo

sou oceano
necessito deitar ondas e desejar a areia,
despejar segredos e tragar o que em mim jogarem
não posso ser calmaria

preciso do espanto das nuvens carregadas molhando minha alma
de barcos invadindo meu ser a procura de alimento

quero pescador
a ouvir meu canto
se perder em minhas profundezas


¨¨ # ¨¨

às quintas

...


o anjo bate as asas e despeja alegria sobre outra existência
não terá notado o céu radiante por trás das nuvens?

- descobrirá um dia o que eu já sei desde o primeiro amanhecer?! (quando um carro levou o sertão pra outras veredas e o deixou aqui dentro de mim...)-

“só a um telefonema de distância”
ligação cruzada – a linha caiu

as saudades acumulam os dias: todos os dias
o queijo não é muito bom
sem capuccino

a boca não quer mais aprender o beijo

... a voz a pele acaricia...
embora silêncio

o coração vê...
meus olhos sentem

já mora em mim
falta me guardar

ou carregar consigo
(embora negue, anjo é moço difícil)

...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

____________________sala de música

meu piano, à frente, transversolha de nostalgia rancorosa

... o violão, deitado atrás, mespia nervoso de despeito futuro...

(mencolho, dissimulada: fiz as unhas ontem!)
 
 
\o/o\o/

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

amor

amor não acaba

transmuta nos gânglios
ou esconde nos alvéolos
e nos poros

por isso as dores
falta o ar às vezes
e: banho todo dia
...

- o -

sábado, 11 de setembro de 2010

Canção das asas
                                                                            August Strindberg

Homens não são maus
Não são bons também

Eles vivem como podem
Um dia de cada vez

Os filhos do pó
No pó devem perambular

Nascidos do pó
Ao pó retornam

Eles receberam pés para caminhar penosamente
Não têm asas

É culpa deles
Ou sua?

...

domingo, 5 de setembro de 2010

homens e anjos

anjos tocam humanos com suas asas cintilantes
têm medo do corte profundo
e se afastam

humanos sonham com anjos
imaginam uma vida de céu
fantasiam e esperam

anjos intuem amar humanos
hesitam escolher a terra
- o conforto das nuvens é conhecido -

e a terra vive de amor eterno
pelos seres do céu

humanos reconhecem anjos imediatamente
amam mesmo a brisa restante

anjos voltam a brincar com outros anjos
saboreando a lembrança da pele proibida
e se outros anjos peraltas
desvendam seu segredo?
anjos – que são sonhos – transformam humanos –
reais – em sonho dos anjos,
adormecem os sentidos recém-descobertos

humanos tocados pelo hálito angelical
não são mais os mesmos
querem a nudez diáfana dos corpos celestes

despem-se de aparências
não suportam mais jogos
se esquivam de mentiras

dedicam-se ao profundo mistério
sagrado e profano
e buscam em outros humanos ver asas também

quarta-feira, 23 de junho de 2010

dizer o indizível

...............................
...
a palavra não alcança
a minha palavra não
...

luto na Literatura Universal e na Língua Portuguesa...


José Saramago: 16/11/1922, Azinhaga (Portugal) - 18/06/2010, Lanzarote (Espanha)
Deixa um mundo ficou menos solidário, menos lúcido... e mais triste...
 
Difícil explicar a perda de uma referência com a qual se convive, por meio do universo imaginário construído pela linguagem, numa intimidade a um só tempo anônima e pessoal, distante e profunda... 
 
... Nosso primeiro encontro se deu no século XVIII, durante a construção de um convento em Mafra, ordenada por D. Joaõ V, porque a rainha não conseguia gerar-lhe um herdeiro. O compositor amigo e o padre voador estavam entre os convidados, à luz da fogueira. O primeiro extraía as famosas melodias enquanto o segundo sonhava a passarola, feita à mão esquerda do fiel Baltasar e erguida no ar sob as vontades dos homens colhidas por Blimunda. 'E se Deus é maneta' isso explica, quem sabe, as coisas todas deste mundo...
Encantei-me...
 
Já da segunda vez, o encontro definitivo: ele me apresentou outro José, um judeu marceneiro cheio de boa vontade e de culpa, e seu filho: vi-o ser concebido à luz da fresta de uma porta, vi-o também nascer, em uma cova em Belém. e se tornar um jovem semelhante ao pai, cindido entre as regras de seu povo e de seu tempo e sua fome de justiça. Com este jovem, a lição: 'só o amor nos salva da morte'. Visitei essa família diversas vezes e, apesar dos dois milênios de distância, ouso crer que eles se integraram à minha trajetória. 
 
Quis conhecer outros Josés, e José pensador conduziu-me por um labirinto. Ali, um funcionário da conservatória reinventava vidas a partir de Josés, Marias e outros nomes tantos, todos.
 
Já mais familiarizada, ele - que privilégio! - me apresentou Ricardo Reis, em Lisboa, quando este lá retornou para o enterro do maior poeta do século XX. Que viagem maravilhosa... pelo país, pela linguagem, pelos poetas vários que o maior soube ser.
 
Depois assistimos a uma pandemia juntos e, confesso, tive medo de não encontrar em mim dignidade suficiente para atravessar a brancura das páginas e da tela - ainda tenho, o medo...

Fomos juntos ao teatro, onde visitamos uma ainda desconhecida ilha... em Lanzarote, xeretei seus cadernos, misturamos nossas bagagens... nos tornamos um do outro quase que objetos...

Embarcamos em outra maravilhosa viagem, numa gigantesca jangada, tendo um cachorro como guia, e de novo assisti ao milagre do amor conferindo sentido à existência.
 
Separamo-nos por um tempo, crentes de que nossa relação já estava completa... mas... senti falta de sua companhia.

Daí, ele me chamou para acompanhá-lo em outra viagem; e juntamente com Subhro, escoltamos o elefante Salomão de Lisboa a Viena.
 
Resisti bastante quando ele me quis levar a outra caverna... resisti muito, na verdade. Acho que eu temia enxergar lá dentro o que não vejo sob a claridade do sol. Mas reaprendi que o simples, o artesanal pode, ao menos em imaginação, vencer o poder econômico e, de novo, deixei a caverna contente por finalmente ter aceitado o convite.
 
Então ele me mostrou mais de sua intimidade: abriu para mim as páginas de um manual, e para minha grata surpresa reconheci ele mesmo ali retratado... quase sem segredos, senti as cores, as texturas e os traçados de que o artista se compõe e se (re)cria...
... a essa altura, creio, tentou explicar-me mais uma vez a diferença entre a estátua e a pedra, quando eu já sabia que ele me traria sempre a escultura viva completa... não discutimos por isso, afinal temos ambos nossos caprichos...

A última viagem que fizemos juntos foi a mais inusitada, ou a mais maluca mesmo... ele me levou ao monte onde Abraão ia abater Isaac - por pouco salvo pelo terceiro viajante, um filho de Adão, de quem Lilith se enamorou; vimos a destruição de Sodoma, os incontáveis sofrimentos por que passou Jó, e findamos nossa viagem à porta de uma arca, sobreviventes últimos, os três, de uma espécie que falhou.

Antes que a tristeza irremediavelmente aportasse, dei-me conta, num ensaio de lucidez, que ainda tenho muitas viagens a empreender com ele... combinamos de nos reencontrar em 1993... vamos, marotamente, fazer um cerco a Lisboa, brincar com nossas pequenas memórias e com os apontamentos deste mundo e de outro... nos indagaremos se o santo de Assis teve uma segunda vida, visitaremos outra terra de pecado, onde reside a maior flor do mundo... uma noite, havemos de perguntar o que fazer com algum livro, exploraremos os cinco sentidos, colocarei em desordem seus cadernos... leremos, voz alta, todos os poemas possíveis e, assim, in nomine dei, nos levantaremos do chão e teremos duplicado o homem!
Quando a morte, intermitente, nos apanhar de novo, teremos, juntos, votado em branco à última hora, pastoreado ovelhas, conhecido Simão à praia, a caminho de Magdala, e chorado pelos inocentes no túmulo de Raquel... veremos de novo a enorme pedra despencar sobre os anônimos trabalhadores, navegaremos movendo Portugal e Espanha em direção ao Brasil, cegaremos muitas vezes, e outras tantas, abriremos os olhos, percorreremos os mesmos/outros labirintos, criaremos estátuas de barro para lembrar de que somos feitos de terra e, enfim, recolheremos as últimas vontades dos homens...

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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Direitos adquiridos

madur  ecer
sonh ar
       ir

cheg ar
sent ir
vi  v er

\ o o /

in adver tida mente

citações inadvertidas de personagens do Evangelho... de Saramago - usadas inapropriadamente :

"Nem tu podes me fazer todas as perguntas, nem eu posso  dar-te todas as respostas'

quando foi que eu me tornei uma pessoa tão ruim?...
... difícil saber

'Não perguntes, homem, não queira saber...'

...

...avesso

Não me peçam para trabalhar... hoje. Só hoje...
... a sensação do espremedor no peito e a golfada querendo subir, afogada,
e virar a garganta do avesso
só hoje...
amanhã, de novo, recomeço

terça-feira, 23 de março de 2010

... Pesadelo...?... feliz

. . .

Hoje eu queria ficar mais um pouco na cama...
acordei dizendo para minha filha que tive o mehor sonho de minha vida...
Talvez seja exagero, claro, mas é que nunca lembro de sonhos - só de pesadelos -
então a sensação era realmente boa!

Pra melhorar, minha mãe esteve ao meu lado, e ela parecia bem - eu é que estava cansada no sonho - e depois me lembrei que ela estava me aproximando de alguém, ou melhor, foi assim:

2 pessoas se aproximavam de mim no parque 
e eu cansada...

me recostava na grama para descansar - minha mãe à direita entre mim e um homem
o outro se aproximava e deitava à esquerda

E quando eu acordava - no sonho -  minha mãe e o cara à direita dela não estavam mais lá
nem minha família... nem as crianças que antes brincavam

o da esquerda sim, ainda me acompanhava

e eu conheci, para resumir, alguém muio especial... irresistível
(não conseguimos mais nos desgrudar)

e quanto mais tempo juntos, menos cansada eu ficava
e mais ele queria ficar comigo - mudou-se no mesmo dia
os dois, na minha casa: linda!

lá soube que ele também a vira comigo no parque - o que era impressionante, mesmo no sonho
e que havia mesmo o outro homem - ele também o vira, não fora sonho dentro do sonho - e minha mãe o tinha levado, afastado, piscando um olho para o homem da esquerda, que se tornaria meu companheiro

e quando me dei conta de que ela tinha vindo para trazê-lo - o da esquerda - pra mim, fiquei ainda mais feliz

é... eu estava muuuuito feliz

Então acordei super assim: querendo voltar para o sonho

feliz

...

... E, cansada, durante o dia...


constatei que finalmente entendi o que minha mãe dissera no leito de hospital

"Ah, filha: meu espírito é tão jovem............
...........mas meu corpo não me acompanha mais"

acho que entendi de verdade o que isso significa -

- e recompreendi o sonho -
-                    meu primeiro pesadelo feliz?                   -

entendi

e foi de uma tristeza tão grande...      ...tão  profundamente triste...


...

...este ano faz 10 anos que ela se foi...


. . .

segunda-feira, 22 de março de 2010

Em Gaza, peça de teatro é oportunidade rara de criticar

...

Essa matéria eu tinha que indicar por aqui: vale a visita!

Basta clicar no título e você espia que bons ventos pode trazer o teatro mundo afora...

Abraço solidário à maioria do povo cansada de guerras e disputas que lhes tiram filhos e esperanças, e arrancam dias à vida e vida aos dias.

Que arte e artistas possam sempre contribuir para desmascarar e combater ódios sem sentido, violência e usurpação - além de celebrar alegria, amor e sonhos.

Votos de paz e compreensão às pessoas do bem - de todas as rezas, etnias, cor de pele e tipo de roupa, de todos os lados - lado a lado. 

Que elas possam se ocupar em realizações dignas - já tão difíceis em faixas tingidas por cores mais alegres...

MAKTUB !!
JAYA !!
SALVE!!



        

sexta-feira, 12 de março de 2010

O livro dos sonhos



Muitos têm me cobrado porque neste espaço não escrevi nada de teatro... ainda...
Pois é: não tenho visto quase nada de teatro, este é o ponto.

Mas... como não mandei e-mail desta vez, nem fiz qualquer outra divulgação, poucos também viram a Maira em O Livro dos Sonhos - infantil em cartaz no Teatro Ruth Escobar, sala Miriam Muniz, sábados às 17:40.


Bem, a peça é um mimo. Brinca com as mídias: traz projeções pontuais, divertidas e muito bem exploradas, de um lado; e um áudio que, honestamente, daria pra caprichar bem mais e melhorar um bocado. As crianças se divertem, e o trabalho deve ter vários méritos: adultos também costumam gostar - eu sou suspeita, obviamente.
A montagem traz 3 atrizes bem jovens que se alternam em personagens ora conhecidas, ora desconhecidas do público em geral.
Bonito ver: elenco totalmente jovem segurando a peteca, e só meninas em cena - o diretor também é relativamente jovem .

Nos bastidores da peça e, nas esticadas pelos cinemas da vida (de novo... sorry), tive o prazer de conhecer uma das criaturas mais inteligentes que eu já vi 18 anos vividos por estas bandas produzirem. E olha que eu conheci muitos 18 anos vida afora, uma vez que trabalhei com eles por quase 20...

Ferdi Mandonça, atriz principal, quer completar a lista de Fellini, Buñuel e Bergman (todo mundo simplifica o nome do cineasta cortando as dobras consonantais, aderi também). Ela passa 12 horas num único dia estudando teatro.  Troca idéias comigo como se já tivesse assistido a quase o mesmo tanto de filmes que eu, clássicos inclusive, imperdíveis principalmente.
Fernandinha é uma desses encontros raros com os quais nos sentimos privilegiados.

-  Pensaram que eu ia escrever sobre a peça só pra elogiar minha filha?
(E precisa?...)

Pois é. Faltassem outros motivos para assistir à peça, já bastaria este: a oportunidade de conhecer a pessoinha incrível que atende pelo nome de Lena enquanto desfila os longos cabelos loiros pelo palco. 
Tem mais: entre encontros com o engraçado coelho que sofre de estresse por estar sempre atrasado, um certo Capitão com medo de tc-tac, e o Lorde dos sonhos, Lena visita a mais linda sereia que estes olhos já viram.

É: apesar de não constar seu nome na ficha técnica, que não está atualizada no link de serviço do teatro, nem aparecer sua carinha na foto de divulgação, é a Maira quem faz a sereia vestida num figurino super original e que a deixa maravilhosa.

- Pronto. Elogiei.
Também, o que esperar, não é? Mãe...


Então, resta devolver a 'cobrança':  finalmente falei um tico de teatro aqui.
Agora simbora assistir a Lena-Ferdi e a Sereia-Maira... antes que acabe.


- aqui, ó (mas o melhor do figurino não aparece na foto... o rabo da sereia) ...


 
--- oo ---
_

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Peixe Grande de Tim Burton


'Sabe quando você ouve uma piada tantas vezes que não se lembra mais por que ela era engraçada... e de repente você ouve outra vez, e ela parece nova?'...

Pois é. Solucei (de novo) revendo a obra-prima de Tim Burton pela manhã.
Desta vez nem preciso de comparação: Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (2003: EUA) é simplesmente perfeito: ponto.

A obra peculiar não carrega nas cores mórbidas; ao contrário, seu colorido é predominantemente alegre. O tom geral mal tangencia o macabro característico da filmografia do cineasta.
E, no entanto, a marca do diretor é claramente reconhecível.


Imagino que Edward Bloom, o protagonista interpretado por Ewan McGregor e Albert Finney, representa a própria fantasia. Do cinema, de Burton, do Homem. Tentarei explicar...


Edward não está bem de saúde. Seu filho (Will: Billy Crudup), incentivado pela mãe (Sandra: Jessica Lange/Alison Lohman) e pela esposa grávida (Josephine: Marion Cotillard) tenta se aproximar do pai e compreendê-lo. Enquanto isso, vamos conhecendo a vida de Ed em sua própria versão. Versão que aos olhos do filho é fantasiosa demais e esconde seu pai verdadeiro.


Em uma passagem, o empresário de circo (vivido por Danny DeVito) diz que Ed era um peixe grande em sua cidade de origem, mas fora dela, no mundo, seria um peixe muito pequeno. - Edward não aceita desistir de Sandra, 'a mulher com quem se casaria'. E enquanto ele a procura, conquista e supera obstáculos para realizar seu sonho, vai conhecendo personagens fantásticas que permaneceriam ligadas a sua trajetória. Ao contrário do que seria de se esperar, ele é quem altera as vidas dessas personagens.

O esforço de seu filho por  separar o que é 'verdade', dentre as histórias ouvidas do pai, parece mostrar o contrário do que dissera o dono do circo: Ed é um peixe muito grande para caber na realidade - como se esta fosse apenas 10% do iceberg de Ed. A fantasia - que é sua essência - seriam os outros 90%.
Não sei se me explico bem. O fato é que a narrativa parece mostrar que somos muito mais do que a realidaade comporta. Se consideramos a imaginação, precisamos da fantasia, pois somos peixes grandes para qualquer cidade ou lugar real.

Bem: se você ainda não assistiu ao filme, dê uma espiada. Se já viu, vale rever. Quanto mais assisto, mais me encanto com ele. 

* O elenco ainda traz o ótimo Steve Buscemi.
**  Helena Bonham Carter, esposa do diretor, também marca presença. 
*** Incrível como premiação às vezes não quer dizer muita coisa... Com diversas indicações, 7 apenas ao BAFTA, parece que não levou nenhum (fonte Wikipedia = http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Fish).


É isso. Até a próxima.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

de Crítica de Cinema, Gore Vidal e Rubens


...


Ontem encontrei na FFLCH, USP, uma coletânea de ensaios de Gore Vidal, considerado por muito tempo o maior nome do ensaio crítico norte-americano. Comprei imediatamente ao ler o título de um de seus artigos: Quem faz o cinema?.


Pois é... como fui direto a ele, não posso comentar a obra toda ainda, mas creio que aqui ele amassou demais o abacate...
Dois descontos: primeiro, em retrospectiva histórica a crítica é bem mais fácil... segundo, ele tratou do que conheceu bem, OK, mas embuído de certa mágoa pelo desprezo que sentiu em relação aos autores à época em que trabalhou na MGM.
Tudo bem, considerando seu esforço em Ben Hur e a omissão de seu nome nos créditos do roteiro, é perfeitamente compreensível.


Porém dizer que o diretor de cinema é um 'mero técnico' que poderia - e deveria! - perfeitamente ser dispensado do filme é um tanto demais. Até porque é bastante desejável que diretores - e não só de cinema -  sejam ótimos técnicos, embora um não seja sinônimo de outro. Assim como atores, bailarinos, cantores etc... escritores também - a mania de achar que arte se faz sem técnica é amadorismo...


Mas nem tudo se perde: entendendo a crítica como sendo dirigida a um certo tipo de filme, em uma época em que os efeitos começaram a tomar conta das películas em overdoses, podemos apreciar alguma coisa importante de sua impressão. Sobretudo quando acusa já àquela época o fato de o desfilar de luzes e sons pela tela, fazendo os efeitos mais 'importantes' do que a qualidade humana tirar de um filme a qualidade de arte. Nisso ele estava, como ainda está, bem certo.
Realmente, se ele foi dos primeiros, e em pleno coração da 'indústria', a notar e pontuar o fenômeno, este fato já valeu o ensaio.


Com o que não se deve simplesmente concordar é que o diretor seja totalmente dispensável - ao menos genericamente falando. Ora, para ressaltar a importância de um bom roteiro - o trabalho do escritor, portanto - não é necessário desmerecer o trabalho de direção.

É certo que uma boa história é a alma da imensa maioria de filmes excelentes, mas um diretor que não saiba o que fazer com ela pode pôr muito a perder. Não fosse assim, o roteiro de Forrest Gump não teria esperado tanto tempo por Robert Zemeckis. Apesar de amante de efeitos visuais, o diretor respeitou a profundidade das personagens desenvolvidas por Eric Roth, o que resultou na excelência da obra.



O próprio conceito de 'cinema autoral' que nascia pela década de 60 (atenção: a existência de cinema autoral precede sua conceituação), e é observado pelo ensaísta neste texto, parece revelar a importância da integração entre texto e diretor, e não o contrário: o caráter dispensável do último.


Bem, de qualquer forma, vale conhecer aspectos de bastidores por quem tem tamanhas referências. Seria interessante trocar figurinhas a respeito com quem entende mais do que eu do ofício (o que não é nada difícil de encontrar...).


Agora, para concluir sobre crítica de cinema: gosto mesmo do nosso singular e excelente Rubens (o Ewald Filho). Quando eu era muito jovem, cheguei a suspeitá-lo pedante... mas, honestamente, apaixonado como ele é pelo ofício, só podia resultar sua tamanha qualidade. Esse é o cara; mesmo se alguém - ainda - não gosta dele, fica impossível não admitir: ele sabe do que fala.


Abraço, Rubens.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Paisagem

Certos objetos, não nossos, se incorporam ao nosso cenário sem que queiramos ou nos demos conta, exatamente por não pertencerem a ele:
uma peça de roupa emprestada, colocamos sobre a cômoda para lembrar de devolver à amiga,
a carta do vizinho, colocada por engano por baixo da porta, e deixada no móvel mais próximo a ela, reclamando entrega ao morador de direito,
os documentos exigindo arquivo, amontoando-se ao lado do computador, na mesa de trabalho
...
Depois de certo tempo os olhos não os enxergam mais. É como se a louça emprestada houvesse se fundido à mesa da cozinha, as revistas destinadas à doação fizessem parte do banquinho do escritório – até sentamo-nos nelas... e a caixinha do produto com o nome do fabricante e todas as referências que procuramos durante semanas, desaparece grudada à escrivaninha.


Relacionamentos: penso que também carregam a tendência de colarem ao nosso ambiente e assim desaparecerem.
Que adiamento insólito transforma a urgente ânsia de comunicar-nos em desaparecimento do outro, não sei. Que lapso inaugura a distância entre o lembrar e o esquecer?
Ora arrisco considerar que somos visceralmente incompetentes para distribuir as pessoas no que chamamos tempo.
Ora penso que padecemos, de modo geral, de certa síndrome de paisagem.
Talvez algumas relações sobrevivam porque algumas pessoas intuam bem o tempo de se destacar e o tempo de sumir na paisagem, como se não estivessem ali.

Geralmente não é um equilíbrio fácil.
Afinal, nos apaixonamos justamente quando, por algum motivo, para nós, alguém se destaca, faz diferença no ambiente, de modo confortável – ou excitante, considerando que estar apaixonado nem sempre é tão confortável, mas reivindica nossa atenção e ação.

Entre a delicadeza de se tornar invisível e mostrar que ali está reside provavelmente o mistério e o sucesso da convivência.

Simbiose entre ser e estar... pertencer a outro universo mantendo a natureza de não ser esse outro... estar-em-um e ser-outro, naturalmente incorporado ao cenário...
...Quem sabe, um dia reconhecerei a serenidade de fazer parte de uma paisagem...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Itália


Nine ... dá vontade de dizer "É um filme que precisava ser feito", "Que bom que alguém o fez", "Bravíssimo"!"Gratíssimo"!!

... amor ao cinema, Fellini, Sophia Loren, Cinecittà...

A vida de Guido pode não ser doce, mas a sensação final do expectador é. Emociona mesmo lembrar o legado que o gênio italiano nos deixou.

Acho o filme inspirado bem superior a Chicago (do mesmo diretor, Rob Marshall); na verdade simplesmente incomparável, como se tornam incomparáveis todas as felizes homenagens.

Aliás, de homenagens ao - e no - cinema a Itália costuma ser palco muito feliz - No mínimo Cinema Paradiso vem imediata e carinhosamente à lembrança no primeiro caso; e O Carteiro e o Poeta no segundo... e, claro, 8 e 1/2... Assim, é mais do que justa a retribuição ao país através de um artista dentre os seus mais interessantes, e importantes.

Mais da filmografia do diretor italiano comparece para abrilhantar a película - afinal 8 e 1/2, a obra-prima original, é um tanto autobiográfica. As paisagens que o mundo conheceu por meio de sua obra, as mulheres retratadas com tamanha sensibilidade, uma das marcas do Maestro, as bem aproveitadas referências a cenas de seus filmes... e um protagonista que lembra incrivelmente os vividos por Mastroianni, sem chegar perto de se transformar em mera imitação - nesse caso porque a semelhança está na qualidade da personagem e no vigor de Fellini que felizmente o ator consegue recriar em seu protagonista e o diretor imprimir nos quadros que compõem linda e dinamicamente a tela.

Apesar de se aproveitar de um luxo mais íntimo ao universo cinematográfico norte-americano do que ao felliniano, o glamour mostra o universo onírico do protagonista - e aí vale: quantos jovens ainda virgens na filmografia do mestre não buscarão conhecer mais desse universo após uma sessão?
As cenas de musicais com direito a coro se passam, em sua maioria, dentro do estúdio e configuram uma atmosfera ao mesmo tempo teatral - o filme é adaptado de uma versão para teatro musical - e de bastidor de filme. Além disso, elas colocam no palco tantos talentos reunidos que por si só já configuram uma bela homenagem ao cinema - universal.

...
quem ama cinema admira a Itália do cinema e quem é fã de cinema italiano, ama Fellini...

...por isso quem ama cinema aplaude e agradece Nine.
Bravíssimo!!
Gratíssima!!