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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Paisagem

Certos objetos, não nossos, se incorporam ao nosso cenário sem que queiramos ou nos demos conta, exatamente por não pertencerem a ele:
uma peça de roupa emprestada, colocamos sobre a cômoda para lembrar de devolver à amiga,
a carta do vizinho, colocada por engano por baixo da porta, e deixada no móvel mais próximo a ela, reclamando entrega ao morador de direito,
os documentos exigindo arquivo, amontoando-se ao lado do computador, na mesa de trabalho
...
Depois de certo tempo os olhos não os enxergam mais. É como se a louça emprestada houvesse se fundido à mesa da cozinha, as revistas destinadas à doação fizessem parte do banquinho do escritório – até sentamo-nos nelas... e a caixinha do produto com o nome do fabricante e todas as referências que procuramos durante semanas, desaparece grudada à escrivaninha.


Relacionamentos: penso que também carregam a tendência de colarem ao nosso ambiente e assim desaparecerem.
Que adiamento insólito transforma a urgente ânsia de comunicar-nos em desaparecimento do outro, não sei. Que lapso inaugura a distância entre o lembrar e o esquecer?
Ora arrisco considerar que somos visceralmente incompetentes para distribuir as pessoas no que chamamos tempo.
Ora penso que padecemos, de modo geral, de certa síndrome de paisagem.
Talvez algumas relações sobrevivam porque algumas pessoas intuam bem o tempo de se destacar e o tempo de sumir na paisagem, como se não estivessem ali.

Geralmente não é um equilíbrio fácil.
Afinal, nos apaixonamos justamente quando, por algum motivo, para nós, alguém se destaca, faz diferença no ambiente, de modo confortável – ou excitante, considerando que estar apaixonado nem sempre é tão confortável, mas reivindica nossa atenção e ação.

Entre a delicadeza de se tornar invisível e mostrar que ali está reside provavelmente o mistério e o sucesso da convivência.

Simbiose entre ser e estar... pertencer a outro universo mantendo a natureza de não ser esse outro... estar-em-um e ser-outro, naturalmente incorporado ao cenário...
...Quem sabe, um dia reconhecerei a serenidade de fazer parte de uma paisagem...

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