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sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Peixe Grande de Tim Burton


'Sabe quando você ouve uma piada tantas vezes que não se lembra mais por que ela era engraçada... e de repente você ouve outra vez, e ela parece nova?'...

Pois é. Solucei (de novo) revendo a obra-prima de Tim Burton pela manhã.
Desta vez nem preciso de comparação: Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (2003: EUA) é simplesmente perfeito: ponto.

A obra peculiar não carrega nas cores mórbidas; ao contrário, seu colorido é predominantemente alegre. O tom geral mal tangencia o macabro característico da filmografia do cineasta.
E, no entanto, a marca do diretor é claramente reconhecível.


Imagino que Edward Bloom, o protagonista interpretado por Ewan McGregor e Albert Finney, representa a própria fantasia. Do cinema, de Burton, do Homem. Tentarei explicar...


Edward não está bem de saúde. Seu filho (Will: Billy Crudup), incentivado pela mãe (Sandra: Jessica Lange/Alison Lohman) e pela esposa grávida (Josephine: Marion Cotillard) tenta se aproximar do pai e compreendê-lo. Enquanto isso, vamos conhecendo a vida de Ed em sua própria versão. Versão que aos olhos do filho é fantasiosa demais e esconde seu pai verdadeiro.


Em uma passagem, o empresário de circo (vivido por Danny DeVito) diz que Ed era um peixe grande em sua cidade de origem, mas fora dela, no mundo, seria um peixe muito pequeno. - Edward não aceita desistir de Sandra, 'a mulher com quem se casaria'. E enquanto ele a procura, conquista e supera obstáculos para realizar seu sonho, vai conhecendo personagens fantásticas que permaneceriam ligadas a sua trajetória. Ao contrário do que seria de se esperar, ele é quem altera as vidas dessas personagens.

O esforço de seu filho por  separar o que é 'verdade', dentre as histórias ouvidas do pai, parece mostrar o contrário do que dissera o dono do circo: Ed é um peixe muito grande para caber na realidade - como se esta fosse apenas 10% do iceberg de Ed. A fantasia - que é sua essência - seriam os outros 90%.
Não sei se me explico bem. O fato é que a narrativa parece mostrar que somos muito mais do que a realidaade comporta. Se consideramos a imaginação, precisamos da fantasia, pois somos peixes grandes para qualquer cidade ou lugar real.

Bem: se você ainda não assistiu ao filme, dê uma espiada. Se já viu, vale rever. Quanto mais assisto, mais me encanto com ele. 

* O elenco ainda traz o ótimo Steve Buscemi.
**  Helena Bonham Carter, esposa do diretor, também marca presença. 
*** Incrível como premiação às vezes não quer dizer muita coisa... Com diversas indicações, 7 apenas ao BAFTA, parece que não levou nenhum (fonte Wikipedia = http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Fish).


É isso. Até a próxima.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

de Crítica de Cinema, Gore Vidal e Rubens


...


Ontem encontrei na FFLCH, USP, uma coletânea de ensaios de Gore Vidal, considerado por muito tempo o maior nome do ensaio crítico norte-americano. Comprei imediatamente ao ler o título de um de seus artigos: Quem faz o cinema?.


Pois é... como fui direto a ele, não posso comentar a obra toda ainda, mas creio que aqui ele amassou demais o abacate...
Dois descontos: primeiro, em retrospectiva histórica a crítica é bem mais fácil... segundo, ele tratou do que conheceu bem, OK, mas embuído de certa mágoa pelo desprezo que sentiu em relação aos autores à época em que trabalhou na MGM.
Tudo bem, considerando seu esforço em Ben Hur e a omissão de seu nome nos créditos do roteiro, é perfeitamente compreensível.


Porém dizer que o diretor de cinema é um 'mero técnico' que poderia - e deveria! - perfeitamente ser dispensado do filme é um tanto demais. Até porque é bastante desejável que diretores - e não só de cinema -  sejam ótimos técnicos, embora um não seja sinônimo de outro. Assim como atores, bailarinos, cantores etc... escritores também - a mania de achar que arte se faz sem técnica é amadorismo...


Mas nem tudo se perde: entendendo a crítica como sendo dirigida a um certo tipo de filme, em uma época em que os efeitos começaram a tomar conta das películas em overdoses, podemos apreciar alguma coisa importante de sua impressão. Sobretudo quando acusa já àquela época o fato de o desfilar de luzes e sons pela tela, fazendo os efeitos mais 'importantes' do que a qualidade humana tirar de um filme a qualidade de arte. Nisso ele estava, como ainda está, bem certo.
Realmente, se ele foi dos primeiros, e em pleno coração da 'indústria', a notar e pontuar o fenômeno, este fato já valeu o ensaio.


Com o que não se deve simplesmente concordar é que o diretor seja totalmente dispensável - ao menos genericamente falando. Ora, para ressaltar a importância de um bom roteiro - o trabalho do escritor, portanto - não é necessário desmerecer o trabalho de direção.

É certo que uma boa história é a alma da imensa maioria de filmes excelentes, mas um diretor que não saiba o que fazer com ela pode pôr muito a perder. Não fosse assim, o roteiro de Forrest Gump não teria esperado tanto tempo por Robert Zemeckis. Apesar de amante de efeitos visuais, o diretor respeitou a profundidade das personagens desenvolvidas por Eric Roth, o que resultou na excelência da obra.



O próprio conceito de 'cinema autoral' que nascia pela década de 60 (atenção: a existência de cinema autoral precede sua conceituação), e é observado pelo ensaísta neste texto, parece revelar a importância da integração entre texto e diretor, e não o contrário: o caráter dispensável do último.


Bem, de qualquer forma, vale conhecer aspectos de bastidores por quem tem tamanhas referências. Seria interessante trocar figurinhas a respeito com quem entende mais do que eu do ofício (o que não é nada difícil de encontrar...).


Agora, para concluir sobre crítica de cinema: gosto mesmo do nosso singular e excelente Rubens (o Ewald Filho). Quando eu era muito jovem, cheguei a suspeitá-lo pedante... mas, honestamente, apaixonado como ele é pelo ofício, só podia resultar sua tamanha qualidade. Esse é o cara; mesmo se alguém - ainda - não gosta dele, fica impossível não admitir: ele sabe do que fala.


Abraço, Rubens.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Paisagem

Certos objetos, não nossos, se incorporam ao nosso cenário sem que queiramos ou nos demos conta, exatamente por não pertencerem a ele:
uma peça de roupa emprestada, colocamos sobre a cômoda para lembrar de devolver à amiga,
a carta do vizinho, colocada por engano por baixo da porta, e deixada no móvel mais próximo a ela, reclamando entrega ao morador de direito,
os documentos exigindo arquivo, amontoando-se ao lado do computador, na mesa de trabalho
...
Depois de certo tempo os olhos não os enxergam mais. É como se a louça emprestada houvesse se fundido à mesa da cozinha, as revistas destinadas à doação fizessem parte do banquinho do escritório – até sentamo-nos nelas... e a caixinha do produto com o nome do fabricante e todas as referências que procuramos durante semanas, desaparece grudada à escrivaninha.


Relacionamentos: penso que também carregam a tendência de colarem ao nosso ambiente e assim desaparecerem.
Que adiamento insólito transforma a urgente ânsia de comunicar-nos em desaparecimento do outro, não sei. Que lapso inaugura a distância entre o lembrar e o esquecer?
Ora arrisco considerar que somos visceralmente incompetentes para distribuir as pessoas no que chamamos tempo.
Ora penso que padecemos, de modo geral, de certa síndrome de paisagem.
Talvez algumas relações sobrevivam porque algumas pessoas intuam bem o tempo de se destacar e o tempo de sumir na paisagem, como se não estivessem ali.

Geralmente não é um equilíbrio fácil.
Afinal, nos apaixonamos justamente quando, por algum motivo, para nós, alguém se destaca, faz diferença no ambiente, de modo confortável – ou excitante, considerando que estar apaixonado nem sempre é tão confortável, mas reivindica nossa atenção e ação.

Entre a delicadeza de se tornar invisível e mostrar que ali está reside provavelmente o mistério e o sucesso da convivência.

Simbiose entre ser e estar... pertencer a outro universo mantendo a natureza de não ser esse outro... estar-em-um e ser-outro, naturalmente incorporado ao cenário...
...Quem sabe, um dia reconhecerei a serenidade de fazer parte de uma paisagem...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Itália


Nine ... dá vontade de dizer "É um filme que precisava ser feito", "Que bom que alguém o fez", "Bravíssimo"!"Gratíssimo"!!

... amor ao cinema, Fellini, Sophia Loren, Cinecittà...

A vida de Guido pode não ser doce, mas a sensação final do expectador é. Emociona mesmo lembrar o legado que o gênio italiano nos deixou.

Acho o filme inspirado bem superior a Chicago (do mesmo diretor, Rob Marshall); na verdade simplesmente incomparável, como se tornam incomparáveis todas as felizes homenagens.

Aliás, de homenagens ao - e no - cinema a Itália costuma ser palco muito feliz - No mínimo Cinema Paradiso vem imediata e carinhosamente à lembrança no primeiro caso; e O Carteiro e o Poeta no segundo... e, claro, 8 e 1/2... Assim, é mais do que justa a retribuição ao país através de um artista dentre os seus mais interessantes, e importantes.

Mais da filmografia do diretor italiano comparece para abrilhantar a película - afinal 8 e 1/2, a obra-prima original, é um tanto autobiográfica. As paisagens que o mundo conheceu por meio de sua obra, as mulheres retratadas com tamanha sensibilidade, uma das marcas do Maestro, as bem aproveitadas referências a cenas de seus filmes... e um protagonista que lembra incrivelmente os vividos por Mastroianni, sem chegar perto de se transformar em mera imitação - nesse caso porque a semelhança está na qualidade da personagem e no vigor de Fellini que felizmente o ator consegue recriar em seu protagonista e o diretor imprimir nos quadros que compõem linda e dinamicamente a tela.

Apesar de se aproveitar de um luxo mais íntimo ao universo cinematográfico norte-americano do que ao felliniano, o glamour mostra o universo onírico do protagonista - e aí vale: quantos jovens ainda virgens na filmografia do mestre não buscarão conhecer mais desse universo após uma sessão?
As cenas de musicais com direito a coro se passam, em sua maioria, dentro do estúdio e configuram uma atmosfera ao mesmo tempo teatral - o filme é adaptado de uma versão para teatro musical - e de bastidor de filme. Além disso, elas colocam no palco tantos talentos reunidos que por si só já configuram uma bela homenagem ao cinema - universal.

...
quem ama cinema admira a Itália do cinema e quem é fã de cinema italiano, ama Fellini...

...por isso quem ama cinema aplaude e agradece Nine.
Bravíssimo!!
Gratíssima!!